O ano de 2020 foi… foi… foi transformador (para ser otimista). Transformou relações sociais, de trabalho, pessoais e também a relação com nossas casas. Nunca havíamos passado tanto tempo dentro dela. Foi desafiador adaptar um espaço para trabalhar, seja na mesa de jantar, na cozinha, um cantinho na sala ou ao lado da cama. Todo mundo junto em casa trabalhando, estudando, vivendo, ou melhor sobrevivendo, sem nos matar no meio desse processo! (rs)
Já ouvimos relatos de amigos que moram em apartamentos pequenos e que de repente parecem ter encolhido com o casal 24 horas por dia trabalhando em home office. Ou ainda aqueles (sortudos) que foram para uma casa no interior para ter mais espaço para enfrentar o isolamento.
Mas o que eu queria relatar aqui é uma experiencia pessoal que tive em 2020 com a transformação de um lar, que na verdade pouco teve a ver com pandemia.
Há uns 10 anos minha irmã do meio e seu marido se mudaram para um apartamento e lá viveram por uns 4 anos. Eu havia feito uma reforma nesse apartamento para receber o casal recém casado, mas com a chegada da filha deles sentiram a necessidade de mais espaço. Compartilhamos bons momentos nessa casa, almoços de família, festas, reuniões… Quando eles mudaram minha irmã mais velha foi morar nesse apartamento. E lá fui eu ajudar a fazer algumas alterações para abrigar uma jovem solteira. Outros tantos bons momentos tivemos naquele espaço durante sua permanência. Com outras mobílias, mas com os mesmos personagens, o local tinha outra energia, mas continuava acolhedor. Após 4 anos ela saiu de lá quando encontrou um apartamento maior para si. E aí foi a vez do meu pai ir morar nesse apartamento.
Novamente o espaço se transformou ganhando uma nova vida. Novo mobiliário, novos hábitos e novo morador. Peças de mobília antigas que fizeram parte da nossa infância, muitas fotos da família e amigos, suvenires de viagens, livros, vitrola e LPs. Agora o apartamento parecia maior para um senhor sozinho. Quartos quase sem uso, mas faltava espaço na sala na e cozinha para os almoços na casa do vovô Tati (apelido do meu pai). A família continuava a frequentar aquele local, já tão conhecido.
Infelizmente em meados de 2020 meu pai faleceu em decorrência de um traumatismo craniano (uma queda no banheiro). Nos meses seguintes minhas irmãs e eu tivemos que desocupar o apartamento. Abrir cada gaveta, ver cada objeto e dar uma destinação. Aos poucos o local esvaziando, caixa por caixa. As recordações acumuladas de uma vida foram saindo pela porta até finalmente não restar mais nada. Então aquele lar que muitos membros da minha família moraram agora é um imóvel, uma casca, um abrigo já sem memória.
Não posso negar a tristeza que senti ao entrar lá pela última vez e ver o local vazio, sem a energia vibrante dos porta-retratos, sem as risadas da família, sem seu morador. O espaço que se transformou para acolher um casal recém casado, uma jovem solteira e um senhor agora está lá, como uma tela em branco a espera de seus novos moradores. E eu desejo que eles sejam tão felizes como minha família foi naquele lugar.